Na frente da casa surge um enorme banner, e pelas redondezas do bairro pessoas uniformizadas munidas de grandes setas e um sem número de panfletos anunciam um grande empreendimento imobiliário. Tudo ressalta a novidade como excelente oportunidade. Trata-se de um novo modelo de construção civil, baseado em unidades modulares. Serão mais de três milhares de quitinetes, compactas e funcionais. Todas idênticas. Diz-se que o edifício contará também com área de lazer intermediária e área comercial completa. No anúncio, os slogans gritam sobre a chegada do sonho de morar naquela valorizada vizinhança, e vê-se a imagem de uma construção colossal, cuja arquitetura só pode ser tomada como absurda e com requintes futuristas.
Os moradores vizinhos e trabalhadores da região já ouviram falar sobre o futuro prédio que se ergueria ali. O interesse deles, portanto, é reforçado. Parece que, depois de tanto suspense e especulação, enfim agora saberão o fim da história. Na rua são muitos os curiosos e os que se revelam espantados. A maioria das pessoas se prostram atônitas, reclamam do que seria um grande despropósito, e criticam ferozmente aspectos do empreendimento. Outros demonstram real interesse comercial. Nas semanas seguintes, somam-se a essas reações um grande fluxo de acesso no website e uma enxurrada de mensagens na caixa de entrada do e-mail divulgados no material de divulgação.
O projeto nomeado “Pop Tower” – e cujo subtítulo “unidades populares” apresenta objetivamente sua função – bem que poderia ser real. No entanto, trata-se de uma ação-intervenção do artista Anton Steenbock, que junta-se à uma série de outros trabalhos realizados em diferentes cidades e situações, desde um projeto de moradia social no centro urbano de Jena na Alemanha até um hotel em forma de banana descascada no meio das águas da Baía de Guanabara no Rio de Janeiro (que presta reverência direta à ideia de Milton Machado, desenvolvendo-a). No projeto em questão, Anton vale-se precisamente do momento de espera e expectativa para agir em um micro período de tempo em que a casa já não terá mais qualquer utilidade, e permanece vazia até sua demolição iminente. Com esse esforço, provoca, discute e ventila questões acerca dos aspectos do processo urbanístico das grandes cidades; as opções arquitetônicas e estéticas em voga; os signos e escolhas que envolvem a construção civil e a publicitação e comercialização de seus produtos, e como essas forças podem ser percebidas de forma diversa nas diferentes camadas econômicas.
Naturalmente, objetiva criar ruído entre os moradores dali, que são forçados a encarar uma notícia que supostamente põe fim à situação rotineira de conforto. Junto à perspectiva de um cenário em que seria possível aumentar consideravelmente a densidade populacional da rua e expandir amplamente o seu acesso econômico, a perplexidade e a fúria são iminentes. Não há no trabalho, porém, o tento de pintar um cenário maniqueísta, em que as resoluções morais e funcionais são facilmente identificáveis. Muito pelo contrário, trata-se de um dispositivo capaz de revelar a complexidade das problemáticas que envolvem os centros urbanos. Nesse sentido, o empreendimento proposto pode ser encarada por vários espectros. Ao passo que se impõe em seu gigantismo – refletido em uma estética espetacular e sem identidade – sobre uma cidade saturada em seu próprio crescimento, o que daria fruto a incontáveis mazelas ambientais, também serviria em prol da aproximação de camadas sociais abruptamente distantes, e mesmo, poderia ser uma solução razoável para melhorar a qualidade de vida e a mobilidade dos trabalhadores de baixa renda. Junto à imagem da torre de infinitos andares está a frase “O sonho do Jardins ao seu alcance! More onde você trabalha!”; mas seu sentido é intencionalmente dúbio: depende de quem lê.
A ação de Anton assume a especificidade do lugar, tempo e contexto social em que se insere para pensar seu próprio potencial de atuação. Em um primeiro momento lima completamente a distância estética da obra frente ao mundo ao não se posicionar como um gesto artístico. Nesse processo, penetra com profundidade no tecido urbano, e ao fazê-lo, emula os ícones e figuras cotidianas para chacoalhar as fibras que o formam. Adiante, pretende se desdobrar em seus registros, expandindo a potência de seus efeitos e disparando o desconforto de inúmeros problemas.
Age, portanto, como instrumento capaz de arremessar a arte na vida; que pensa as possibilidades e limites da própria produção artística contemporânea na medida que opera diretamente na percepção da conjuntura social, econômica e política que encontramos todo dia à nossa porta. Trata-se não de uma travessura, um espelho que objetiva denunciar ressentidamente grandes verdades, ou de um movimento de infiltração nas entranhas de uma suposta dominação devidamente identificada, mas sim de dispositivo capaz de trabalhar no sentido da transformação ao sintetizar tensões que estão no núcleo da subjetividade e das decisões práticas que formam o futuro.
Fernando Ticoulat e Germano Dushá